Cumprimento de mandado de prisão não autoriza busca domiciliar, diz STJ
- Neriel Lopez
- 6 de out.
- 4 min de leitura

O mero cumprimento de mandado de prisão não autoriza a busca domiciliar. Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as provas obtidas contra um homem acusado de tráfico de drogas.
O julgamento se deu por maioria de votos, conforme a posição do relator, ministro Rogerio Schietti. Ficou vencido isoladamente o ministro Og Fernandes, que vem defendendo posição mais alinhada aos ritos policiais em tais casos.
O caso é de policiais civis que receberam denúncia anônima indicando que uma pessoa, contra a qual havia mandado de prisão temporária por crime de roubo, estaria escondida em determinado endereço.
Ao chegar ao local, eles se depararam com o suspeito segurando uma sacola. Ele tentou correr para dentro de casa, mas foi seguido pelos policiais. Na sacola, encontraram drogas. O homem, então, confessou que traficava e revelou que guardava mais entorpecentes em casa.
Mandado de prisão e busca domiciliar
Para o ministro Schietti, há diversos problemas nesse tipo de ação. Primeiro porque a existência de denúncia anônima não deve ser suficiente para violar proteções constitucionais dadas à intimidade da pessoa e ao seu domicílio.
Segundo porque a ação policial foi feita às 6h, horário limítrofe da madrugada em que não se autoriza a invasão de residência para cumprir mandado de prisão. Além disso, houve desrespeito ao procedimento previsto no artigo 293 do Código de Processo Penal.
E, mesmo que essa ação fosse plenamente regular, o cumprimento do mandado de prisão temporária não justifica que, uma vez dentro de casa, os policiais passem a revistar o imóvel, conforme a jurisprudência do STJ.
Isso não autorizaria que, depois da captura do acusado, os policiais, com evidente desvio de finalidade, vasculhassem a residência em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), uma vez que não tinham mandado de busca e apreensão para tanto”, disse o ministro.
Por fim, é altamente contestável a versão de que o réu, preso na porta de casa com entorpecentes, teria convidado os policiais para mostrar onde guardava mais drogas e petrechos. Para o ministro Schietti, o senso comum basta para questionar a versão.
“Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento da moradora foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador.”
Assim, a descoberta posterior de flagrante decorreu da invasão de domicílio feita de maneira ilícita, o que anula as provas. Votaram com o relator os ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro, além do desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.
Se fugiu, está justificado
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Og Fernandes, que interpretou toda a diligência de maneira diferente. Para ele, a busca pessoal não foi feita em virtude da denúncia anônima ou do mandado de prisão, mas pela fuga do suspeito ao ver a viatura.
“O fato de uma pessoa, sobre a qual recai uma denúncia anônima, empreender fuga ao avistar a guarnição revela fundadas razões para atuação dos agentes públicos”, disse o ministro, citando precedentes do Supremo Tribunal Federal.
Já quanto à invasão de domicílio, entendeu que a autorização do morador não foi elemento central, já que a ação policial se baseou, novamente, na tentativa de fuga frente à aproximação dos policiais.
“Ademais, a desconstituição da conclusão alcançada pelo Tribunal local implicaria necessariamente o amplo revolvimento de matéria fático-probatória, o que não se coaduna com a estreita via cognitiva do habeas corpus ou de seu recurso ordinário”, concluiu.
Jurisprudência vasta
A jurisprudência do STJ sobre o tema é ampla. A corte já entendeu como ilícita a invasão de domicílio nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismo, cão farejador, perseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.
Também anulou as provas quando a busca domiciliar se deu depois de informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, entendeu como ilícita a apreensão feita depois de autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.
O STJ também definiu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.
Outros fatores que não validam esse tipo de ação são: apreensão de notas falsas na rua, o fato de o suspeito fumar maconha na garagem de casa ou enxergar o morador jogando algo no telhado. Por fim, o colegiado tem anulado provas nos casos em que a polícia alega ter recebido autorização para a entrada no imóvel por parte do morador, em situações pouco críveis.
Por outro lado, a entrada é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre — ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.





Comentários