STF volta a suspender análise do papel do MP na liquidação coletiva de sentença
- Neriel Lopez
- 12 de nov.
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Um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes interrompeu novamente, nesta terça-feira (11/11), o julgamento em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal discute se o Ministério Público pode promover a liquidação coletiva de sentenças em casos sobre direitos individuais homogêneos — ou seja, que têm origem em uma mesma situação.
Este é o terceiro pedido de vista desde maio, quando o julgamento foi pautado pela primeira vez. O caso tem repercussão geral, ou seja, a tese estabelecida servirá para casos semelhantes nas demais instâncias do Judiciário. A última sessão virtual havia começado na última sexta (7/11).
A análise definirá se o MP pode direcionar o conjunto das indenizações de uma sentença em ação coletiva para os atingidos mesmo se as pessoas não se habilitarem para isso, além de estabelecer a maneira como a reparação será feita.
Antes da interrupção, cinco ministros já haviam se manifestado. Há, até o momento, um voto contra a atuação do MP na liquidação coletiva; três votos totalmente a favor disso “quando houver interesse social”; e um voto que admite tal possibilidade, mas não nos casos em que as próprias vítimas precisam apresentar documentos e informações para que se chegue aos valores das indenizações.
Contexto
Processos tratam de direitos individuais homogêneos quando há muitos afetados pelo mesmo fato. Ou seja, são causas repetitivas sobre pessoas lesadas de forma igual ou similar.
Isso ocorre em casos de consumidores prejudicados por má prestação de serviços ou cancelamentos, segurados da Previdência Social prejudicados por determinados cálculos ou reajustes inadequados em seus benefícios, pessoas atingidas por rompimentos de barragens, poluição ambiental ou obras de infraestrutura etc.
Nessas situações, o MP é uma das entidades que podem mover ações civis coletivas em nome das vítimas (o próprio Supremo já confirmou isso). A Justiça, então, pode reconhecer o direito delas a uma reparação pelos danos sofridos. Mas a forma de reparação e os valores só são definidos na fase de cumprimento.
A discussão é se o MP também pode atuar em nome das vítimas nessa segunda etapa, ou se cada um dos atingidos precisa fazer a liquidação individual e ajuizar sua própria execução para receber sua indenização.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) já autoriza o MP a promover a liquidação e a execução quando ninguém se habilitar individualmente. Mas, nesses casos, o órgão precisa esperar o prazo de um ano e a indenização — chamada de reparação fluida — vai para um fundo público. O STF busca decidir se o órgão poderia atuar nessa fase sem aguardar eventuais liquidações individuais.
Histórico
O caso tem origem em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul. Em primeira instância, uma faculdade de Campo Grande foi condenada a restituir parcelas contratuais exigidas de alguns alunos com base em cláusulas consideradas nulas. O Tribunal de Justiça estadual manteve a decisão.
A discussão foi parar na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Lá, os ministros entenderam que o MP não pode promover a liquidação ou a execução coletiva referente aos danos sofridos pelas vítimas antes da liquidação individual — ou seja, a liquidação da sentença coletiva deve ser feita por cada um dos beneficiários, já que os direitos são individuais.
O recurso extraordinário foi apresentado ao STF pelo Ministério Público Federal e o pelo MP de Minas Gerais. Os órgãos argumentam que o entendimento do STJ contraria a missão constitucional do MP na defesa dos interesses sociais e coletivos. Para eles, a substituição dos indivíduos na etapa de cumprimento da decisão viabiliza o acesso à Justiça.
Voto do relator
O ministro Dias Toffoli, relator do caso, afirmou que o MP não tem legitimidade para promover a liquidação e a execução de sentenças em ações civis coletivas sobre direitos individuais homogêneos, exceto nas situações de reparação fluida.
Ele também propôs que sua tese não se aplique a processos em andamento com sentença transitada em julgado até a data de publicação da ata de julgamento.
Segundo o magistrado, a liquidação e a execução, nesses casos, devem ser promovidas, “primordialmente, pelas vítimas e por seus sucessores”.
Para o relator, o que permite a atuação do MP na primeira fase do processo é o “trato impessoal e coletivo dos direitos subjetivos lesados”. Assim, a existência de beneficiários “previamente definidos” na segunda etapa vai de encontro a esse requisito.
Ou seja, “o interesse social qualificado” que autoriza o MP a ajuizar uma ação civil coletiva sobre direitos com origem em comum “não remanesce na fase de liquidação” da sentença.
Na visão de Toffoli, se o Ministério Público for responsável por liquidar sentenças do tipo, “suas outras funções institucionais da mais alta estatura constitucional poderiam ficar seriamente comprometidas”, pois o órgão assumiria “um volume de trabalho potencialmente incompatível com suas efetivas capacidades”. Ele ressaltou que o MP já tem diversas outras atribuições.
Divergência
Alexandre de Moraes divergiu do relator, pois constatou a legitimidade do MP para promover a liquidação e a execução coletiva dessas sentenças em favor das vítimas ou de seus sucessores quando houver interesse social. Ele foi acompanhado na íntegra por Flávio Dino e Cármen Lúcia.
De acordo com ele, o que autoriza o MP a ajuizar uma ação civil pública é “a demonstração da existência de um interesse social no objeto de demanda, e não propriamente a natureza individual ou coletiva de tal interesse”.
Por consequência, também há “relevância social” para a liquidação e a execução da sentença em uma ação como essa, já que são fases igualmente necessárias para resolver a disputa.
“A efetivação dos direitos individuais homogêneos reconhecidos possui tanta — ou maior — relevância social quanto o seu reconhecimento, ainda que nesse momento haja um maior destaque para a individualidade de tais interesses”, disse o ministro.
Para Alexandre, de nada adianta limitar a atuação do MP à obtenção de uma decisão genérica se o órgão for impedido de “conferir eficácia” a ela.
O ministro ressaltou que isso só favoreceria o “causador do ato ilícito”. Por outro lado, as vítimas não teriam seus direitos concretizados, o Judiciário sofreria com a “multiplicação de demandas”, casos semelhantes ou idênticos seriam tratados de forma distinta e o sistema jurídico não seria efetivo.
Terceira corrente
Cristiano Zanin acompanhou Alexandre com ressalvas. Para ele, o MP pode promover a liquidação e a execução de sentenças sobre direitos individuais homogêneos em favor das vítimas ou de seus sucessores quando houver interesse social, desde que a liquidação não dependa de dados ou documentos a serem fornecidos pelas pessoas.
Nesses casos, Zanin estabeleceu que os valores devem ser destinados diretamente às vítimas ou aos sucessores (à exceção da “hipótese subsidiária” de envio a um fundo público por falta de identificação dos atingidos). De acordo com o ministro, o MP não pode gerir ou administrar o dinheiro, nem recebê-lo de forma direta ou instituir fundos específicos para isso.
O magistrado justificou que “o caráter individual dos direitos protegidos se mantém na execução coletiva, devendo-se privilegiar, sempre, o ressarcimento direto às pessoas que sofreram o dano”.
Zanin também considerou que “há boas razões para exigir” a liquidação individual quando as vítimas não são identificáveis ou quando “a quantificação do dano depende, necessariamente, de uma contribuição ativa da vítima”, a exemplo da apresentação de documentos ou informações que somente ela pode fornecer.
Por outro lado, ele reconheceu que existem diferentes situações nas quais o MP já tem à sua disposição os elementos necessários para liquidar a sentença — por exemplo, quando os danos são “uniformes e massificados” e as vítimas estão identificadas em bancos de dados do réu ou de terceiros. Isso pode acontecer principalmente quando a vítima e o réu têm alguma “relação jurídica preexistente”.
O ministro destacou que essa “condução unificada da execução” por parte do MP garante maior eficiência, rapidez e concretização do acesso à Justiça. Ela também evita que inúmeras vítimas tenham que acionar o Judiciário de forma individual — algo que “pode representar um ônus excessivo e desproporcional” para pessoas de baixa renda.
Ainda segundo o magistrado, a liquidação individual não é uma fase obrigatória antes da execução coletiva. No mais, boa parte da fundamentação de Zanin está alinhada à de Alexandre.





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