STJ admite recurso ao Supremo sobre Selic para corrigir dívidas civis
- Neriel Lopez
- há 2 dias
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O Superior Tribunal de Justiça admitiu um recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal para discutir se a decisão de aplicar a taxa Selic para corrigir dívidas civis fere princípios constitucionais.
A decisão é do vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, responsável pela admissibilidade dos recursos ao STF, e diz respeito a uma decisão da Corte Especial, por 6 votos a 5, de março de 2024.
O caso é de interpretação do artigo 406 do Código Civil, o qual, em sua redação original, dizia que, na ausência de convenção dos juros, deve ser aplicada a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
O STJ passou anos discutindo se essa taxa seria mesmo a Selic. Durante o julgamento, entrou em vigor a Lei 14.905/2024, que acrescentou o parágrafo 1º ao artigo 406 do Código Civil e acabou com qualquer dúvida.
O recurso extraordinário foi interposto pelo advogado Leonardo Amarante, que representa a autora de uma ação de indenização por um acidente de trânsito sofrido em 2013. Ela tem direito a receber R$ 20 mil e está desde então discutindo a atualização desse valor.
Para Salomão, é plausível a alegação do recurso de que o uso da Selic na correção de dívidas civis, a depender da metodologia a ser empregada, pode representar depreciação de valores em ofensa ao princípio da reparação integral do dano.
Ele ainda considerou que, nos precedentes em que validou o uso da taxa para correção de dívidas, as matérias de fundo tratadas pelo STF diziam respeito a temas de Direito Público.
“A discussão nestes autos refere-se à utilização da taxa Selic na correção de dívidas civis — Direito Privado —, peculiaridade que revela a existência de distinguishing em relação aos citados precedentes da Suprema Corte”, apontou.
Selic para dívidas civis
A possibilidade de depreciação dos valores de indenizações civis decorre do fato de a Selic ser, na verdade, o principal instrumento de política monetária para combate à inflação no Brasil.
Isso faz com que ela oscile de acordo com as orientações cravadas pelo Banco Central e o governo. Houve momentos em que alcançou 14,75%, como atualmente, mas também já chegou a estar em 1,3% (em 2012).
O problema é agravado pela introdução de duas formas de uso da taxa fazendária. Uma delas é a fórmula de juros compostos — os chamados “juros sobre juros” —, com capitalização feita a cada dia útil. A cada dia a dívida é acrescida de juros, e no dia seguinte esse montante atualizado serve de base de cálculo para a incidência de novos juros.
No caso de uma dívida civil, para se obter a variação da Selic, bastaria multiplicar todos os fatores diários contidos entre o termo inicial e o termo final a ser corrigido.
A segunda forma de uso foi inserida em 1995 para corrigir os valores que a Fazenda deve pagar como devedora. Trata-se da fórmula da Selic acumulada mensalmente.
Nesse caso, o fator diário é multiplicado dentro do período de um mês para saber o acumulado mensal. Para fazer a correção da dívida, basta somar os acumulados mensais no período ao qual ela se refere.
Reparação integral do dano
O voto-vencido na Corte Especial, proferido por Salomão, usou um recorte de tempo para mostrar o impacto do uso da Selic em dívidas civis. Ele adotou período de 1º de janeiro de 2002 a 31 de dezembro de 2021.
No recorte, a Selic calculada pelos juros compostos resultou em variação de 786%. Já a inflação medida pelo IPCA foi de 237%. A diferença de 549%, distribuída entre os 240 meses do período, representaria juros mensais de 2,29% ao ano — um índice considerado alto.
Se no mesmo período o cálculo for feito a partir do método do acúmulo mensal, a variação da Selic cai para 219%. Isso significa que ela sequer alcança os 237% de inflação medida pelo IPCA.
Ou seja, ela sequer recomporia a desvalorização da moeda. Não haveria juros de mora a cobrar. Daí a possível violação ao princípio constitucional da reparação integral do dano.
Modulação afastada
A alternativa discutida no julgamento do STJ seria afastar a Selic e aplicar taxa de juros de 1% ao mês, conforme definido no artigo 161, parágrafo 1º do Código Tributário Nacional, e correção monetária conforme o índice praticado em cada tribunal.
Com a rejeição dessa proposta e a confirmação do uso da Selic, a Corte Especial do STJ ainda negou um pedido de modulação temporal dos efeitos, para que a tese só valesse para casos novos e posteriores ao julgamento.
A conclusão foi de que a aplicação da taxa Selic para corrigir dívidas civis deve respeitar a coisa julgada em cada processo. Isso indica que, para casos não definitivos, vale a Selic. Já para os já transitados em julgado, não haverá revisão.
Leonardo Amarante, advogado da causa, comemorou a decisão de admissibilidade do recurso extraordinário e destacou que a aplicação da Selic, como decidida pelo STJ, pode significar que, em vez de ver sua indenização crescer, ela diminua ou seja corroída pela inflação.
“A expectativa é que o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, restabeleça o princípio da justa indenização e da reparação integral do dano, garantindo que as vítimas não sejam ainda mais penalizadas pela lentidão da justiça”, disse.
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